Pintor de Henrique VIII escondeu alguns segredos em suas obras - e um remete à quarta esposa do rei

Franny Moyle é não só uma amante da arte, como também uma especialista na área. Ou seja, ela é capaz de identificar características que a maioria das pessoas mal notam. Aliás, foi isso que aconteceu: Moyle analisou um trabalho do retratista pessoal de Henrique VIII e acabou encontrando uma mensagem oculta.

O responsável por isso? Você já deve ter ouvido falar dele. Afinal, este homem é ninguém menos que Hans Holbein, um dos retratistas mais talentosos da história. Ao notar o dom dele, Henrique VIII rapidamente contratou o alemão para ser seu pintor da corte.

Obviamente, Holbein ficou encarregado de pintar um retrato do próprio rei. No entanto, ele também trabalhou com retratos de pessoas próximas ao soberano. Inclusive, foi uma destas peças de 1540 que chamou a atenção de Moyle séculos depois.

Moyle está ciente das singulares técnicas de Holbein, assim, ela sabe que seu trabalho muitas vezes diz mais do que se pode ver em um relance. Em outras palavras, as pinturas desse artista às vezes contêm mensagens ou sinais secretos, até porque tudo o que ele criou foi meticuloso e nenhum detalhe foi acidental. Dessa maneira, aquilo era bem importante e contava toda uma história.

Com isso em mente, Moyle não pôde deixar de notar algo a respeito do trabalho de 1540 de Holbein. À primeira vista, a imagem retrata uma das esposas de Henrique, porém, a especialista teve a impressão de que havia algo mais na peça. Então, ela começou a investigar e o que encontrou desafia totalmente o conhecimento que temos na atualidade.

Holbein veio de uma família artística, tanto que seu pai o ensinou a pintar desde que era pequeno. Ele nasceu na Alemanha por volta de 1497 e passou grande parte de sua vida adulta viajando pela Europa em busca de trabalho. Hoje lembramos do artista principalmente como um retratista, contudo, Holbein era talentoso em outras diferentes formas artísticas.

Muitas das obras de arte mais famosas de Holbein foram produzidas nos anos que ele passou na Inglaterra. O alemão visitou aquela região pela primeira vez em 1526 e se estabeleceu ali permanentemente após seis anos. Foi durante sua segunda vez na Inglaterra que ele se tornou um dos artistas mais notáveis de lá.

Em algum momento desse período, Holbein acabou virando o pintor oficial da corte real. O registro de quando isso ocorreu é um pouco impreciso, entretanto, tudo indica que aconteceu mesmo em 1536 ou um pouco antes. De qualquer modo, o artista foi fortemente associado a Henrique VIII.

A propósito, Henrique VIII é uma das figuras mais famosas de toda a história britânica. Por 36 anos, ele ocupou o trono inglês e teve um profundo e duradouro impacto sobre o país. Todavia, apesar de ele ter sido importante em relação à política, é a vida pessoal do monarca que continua sendo lembrada até nos dias atuais.

Henrique VIII foi coroado rei com apenas 17 anos. Pouco mais de um mês depois, ele casou-se com Catarina de Aragão - a primeira de muitas esposas que esse homem viria a ter. Com ela, o rei teve três meninos e três meninas, mas somente Maria alcançou a idade adulta.

Frustrado por seu casamento com Catarina não ter rendido nenhum um herdeiro vivo, Henrique voltou sua atenção à outra mulher. Ele chegou a pedir permissão ao Papa para divorciar-se de Catarina, no entanto, seu pedido foi negado. Ignorando a posição da Igreja Católica, Henrique divorciou-se dela assim mesmo e, em consequência, fundou a Igreja Anglicana. Desse jeito, esse homem casou-se com sua segunda esposa, Ana Bolena, em 1533.

Como esse casamento também não proporcionou a Henrique um herdeiro homem, ele buscou colocar um fim naquela união. Para isso, ele acusou Ana de adultério e outros crimes a fim de receber, portanto, uma anulação do casamento. Embora as acusações contra sua esposa sejam consideradas totalmente inventadas, aquela mulher acabou sendo decapitada por suas supostas infrações.

Dias após a execução de Ana, Henrique casou-se pela terceira vez. Esse casamento envolveu Jane Seymour, a qual de fato deu à luz um herdeiro homem ao rei inglês. Jane, dessa maneira, foi a mãe do futuro rei Eduardo VI, porém, faleceu semanas depois do nascimento de seu filho.

Após a morte de Jane, Henrique passou alguns anos viúvo até ser aconselhado a procurar outra esposa. Por razões políticas, o rei foi pressionado a se casar com uma das duas irmãs da aristocracia alemã. Ao que parece, Henrique tomou sua decisão baseada nos retratos daquelas mulheres, escolhendo casar-se com Ana de Cleves. Quando se conheceram pessoalmente, contudo, o rei ficou furioso ao perceber que ela era menos bonita do que em seu retrato. Bem, em poucos dias o casamento foi anulado.

Henrique, então, casou-se com Catarina Howard, a qual tinha 19 anos na época. Exatamente como Ana Bolena, Catarina teve um horrível fim devido àquele casamento. Afinal, o monarca inglês também a acusou de adultério, fazendo com que ela fosse decapitada em 1542. Henrique, por sua vez, continuou à procura de uma outra esposa.

Em 1543, o rei casou-se com a mulher que viria a ser a última de suas seis esposas. Catarina Parr foi, sem dúvida, a mais influente de todas as esposas de Henrique, tanto que alguns historiadores afirmam que ela alterou a própria cultura da realeza inglesa. Pois é, Catarina não só ajudou a reparar algumas relações anteriormente rompidas dentro da corte Tudor, como também apoiou seu marido durante a guerra contra a França.

Henrique VIII faleceu quatro anos depois de ter se casado com Catarina Parr, a qual acabou morrendo em seguida. O turbulento reinado de Henrique havia chegado ao fim, entretanto, seria para sempre lembrado - principalmente pelos diversos e intrigantes relacionamentos do monarca.

Durante a vida de Henrique, ele esforçou-se para que algumas importantes figuras em sua corte tivessem seus rostos gravados na história. Um dos que contribuíram para esse objetivo foi o já mencionado Hans Holbein - o pintor oficial e uma das pessoas próximas de Henrique. Foi ele quem criou diversos retratos em miniatura para o rei.

Os retratos em miniatura foram muito populares durante o período de Henrique e Holbein. Todavia, por qual motivo? Bem, eles eram pequenos o suficiente para que as pessoas carregassem por aí. Isso foi importante na época, principalmente entre os membros da aristocracia, os quais costumavam ter alguns emocionantes encontros e relacionamentos.

Graças à pesquisa de Franny Moyle, um específico retrato em miniatura chamou a atenção dos historiadores. A peça foi criada por Holbein em 1540, sendo considerada uma preciosa obra de um dos mais talentosos retratistas da história. No entanto, a questão era a pessoa representada naquela pintura.

Antes de Moyle iniciar suas investigações, presumia-se que a miniatura se referia à quinta esposa de Henrique VIII, Catarina Howard. Porém, a especialista apresentou outra teoria ao afirmar que a mulher retratada naquela imagem era, na verdade, a quarta esposa de Henrique VIII, Ana de Cleves. Ainda que seja uma interessante hipótese para os historiadores da arte, a forma como Moyle chegou a essa conclusão foi fascinante!

Holbein é famoso por ter incluído sinais e símbolos ocultos em seu trabalho. Para olhos desatentos, estes detalhes podem não significar nada. Contudo, para uma especialista como Moyle, eles podem revelar muita coisa. Portanto, o que havia nessa peça de 1540 que chamou a atenção da historiadora da arte?

Acontece que o revelador detalhe não consistia em uma característica da pintura em si. Ao invés disso, tratava-se do modo como a obra era exibida. Afinal, a miniatura foi montada em uma carta de baralho e, dada a reputação de Holbein, Moyle não podia ignorar o possível significado daquilo.

O interessante é que outro retrato em miniatura de Holbein, do ano de 1532, também foi montado em uma carta de baralho, revelando alguns ás de espadas na parte de trás. Esta peça retrata Thomas Cromwell, o qual foi uma importante figura dentro da corte de Henrique VIII. Ele tinha a reputação de falar de maneira clara e direta; sem rodeios - esta expressão no idioma inglês, aliás, está associada ao às de espada.

Desse jeito, visto que Holbein adorava um trocadilho visual, a representação de Cromwell em uma carta de ás de espadas não parece ter sido por acaso. Pois é, mesmo que não seja o tipo de referência que você nota de imediato, esta é uma pequena alusão ao caráter do sujeito pintado por Holbein. Moyle ainda argumentou que o artista fez algo semelhante no retrato em miniatura de 1540, o qual a maioria achava que retratava Catarina Howard.

A peça de 1540 foi montada em uma carta de quatro de ouros, o que Moyle considera bastante significativo. Com base no que a especialista sabe acerca de Holbein, ela acredita que o artista escolheu esta específica carta por se tratar da pintura da quarta esposa de Henrique VIII. Quem recebeu esse título, claro, foi Ana de Cleves - e não Catarina Howard.

Tanto Catarina quanto Ana se casaram com Henrique em 1540 - ano, inclusive, em que a miniatura foi criada por Holbein. Assim, a probabilidade de ser uma ou outra retratada naquela obra é a mesma para as duas. Além disso, outros detalhes na pintura dificultam a decifrar quem realmente foi representada ali. As joias naquele trabalho, por exemplo, são bastante ambíguas.

O pingente na obra parece um adorno que já havia pertencido a Jane Seymour - a terceira esposa de Henrique. Em maio de 2021, Moyle disse ao The Observer: "Quando Henrique se livrava de uma esposa, ele tinha o hábito de entregar os pertences dela às sucessoras". Ou seja, a mulher na miniatura poderia ser tanto Catarina quanto Ana.

Entretanto, existem alguns detalhes naquele trabalho que sustentam a teoria de Moyle de que a figura retratada era Ana de Cleves. Para começar, a mulher na miniatura não parece ser muito jovem. Catarina ainda era adolescente quando se casou com Henrique, enquanto Ana já tinha mais de 20 anos.

Enfim, o argumento mais convincente apresentado por Moyle está relacionado com uma outra pintura de Holbein. O artista produziu um retrato de Ana de Cleves, em 1539, que a especialista pensa se referir à mesma pessoa da miniatura feita no ano seguinte. Ao The Observer, ela ressaltou: "Elas são a mesma mulher. Ela tem esta expressão sonolenta em ambas as obras".

Quando Holbein registrou a imagem de Ana na peça original em 1539, ele retratou a mulher com um traje alemão. Henrique, todavia, não gostou do estilo e achou Ana pouco atraente daquela forma. De acordo com o jornal britânico, uma pessoa próxima ao rei comentou: "Ele não estava satisfeito com ela naquele vestido alemão".

Moyle acha, então, que Ana quis que um novo retrato fosse feito para que ela vestisse roupas bem vistas aos padrões ingleses daquele período. Desse modo, Henrique poderia achá-la mais atraente quando olhasse para a miniatura e a visse representada em trajes que o agradasse.

Moyle explicou ao The Observer: "Acho que há uma boa razão para, no início de 1540, ela - ou talvez Thomas Cromwell, o qual era a favor do casamento - ter sugerido para Holbein pintá-lá novamente. Na pequena miniatura que Henrique levava em seu bolso, ele poderia ver uma versão mais agradável de Ana".

Portanto, Moyle entende que Ana ou outra pessoa interessada naquele casamento garantiu que Holbein produzisse outro retrato dela que pudesse encantar o rei. Pelo jeito, a intenção por trás disso era convencer Henrique de que o casamento valia a pena. O problema é que o esforço foi em vão, pois o rei logo se envolveu com Catarina Howard.

Se a teoria de Moyle sobre o retrato em miniatura estiver correta, isso levanta a questão da representação de Catarina Howard. Bem, aquele mal-entendido pode ter ocorrido porque talvez ninguém soubesse realmente como era Catarina. Tanto que nenhum retrato oficial dela foi encontrado de maneira conclusiva.

Há alguns possíveis motivos para que isso tenha acontecido. Catarina foi casada com Henrique por pouco tempo, assim, a oportunidade de posar para um retrato pode nunca ter surgido. Por outro lado, talvez até existiu alguma imagem dela, no entanto, foi destruída após sua execução.

Toda esta saga é apenas mais uma confusa nota de rodapé na história de Henrique VIII e de sua corte real. Parece que todos que foram próximos a ele acabaram sendo de alguma forma afetados pela conduta do rei. A propósito, Holbein não escapou disso.

Em uma recente entrevista à Radio Times, Moyle argumentou que Holbein caiu em desgraça pela fúria de Henrique VIII por causa do retrato original de Ana. Foi só depois de um tempo, devido ao seu incrível talento, que ele conseguiu voltar a ficar bem com o rei.

Moyle disse: "Levou cerca de um ano para retomar seu trabalho após aquele incidente... Holbein saiu dessa por meio de uma mistura de brilhantismo e charme. Só posso sugerir que foi sim por causa de seu talento, mas também pelo amor pessoal do rei por ele. Henrique não queria perdê-lo".

Por fim, Holbein acabou produzindo um grande número de obras para Henrique VIII, retratando o rei junto com membros de seu círculo íntimo. Ao fazer isso, o artista consagrou-se na história como o mais extraordinário retratista do mundo. Apesar de haver hoje algumas controvérsias a respeito daquela pintura de 1540, quando Holbein faleceu três anos depois, seu legado já estava assegurado.