Esta ilha tropical parece um paraíso – mas um segredo se esconde sob a superfície

Espalhado pelo Mar das Filipinas, há um punhado de ilhas, em direção sul a partir de Tóquio. Aogashima é a última ilha habitada neste vasto arquipélago: os poucos afloramentos que podem ser encontrados ao sul de suas praias sinistras não são ocupados. E mesmo que Aogashima pareça um paraíso, poucos têm coragem suficiente para residir lá – ou mesmo visitar por mais de um dia ou algo do tipo.

À primeira vista, no entanto, Aogashima parece bucólica. Boa parte dela tem um tapete de vegetação verdejante, por exemplo, e a cratera curiosa que domina a ilha também é abundante em vegetação. Mares azul-celeste se chocam contra dramáticas falésias que circundam quase toda Aogashima, mas as ondas são especialmente assustadoras aqui. Elas frequentemente chicoteiam a costa em tempestades violentas, na verdade, que podem tornar a saída da ilha com uso de bote impossível por dias seguidos.

De qualquer forma, por que alguém precisaria fugir desse santuário exuberante? Bem, a resposta reside em uma das rotas de caminhada de Aogashima. A rota, que antes foi parte da estrada principal da ilha, agora está em ruínas: está desmoronando e cheia de mato, sendo que a selva ocupa a passagem. O caminho se dirige para baixo, dentro da cratera do centro de Aogashima.

Aqui embaixo, os zumbidos dos mosquitos são muito mais fáceis de serem ouvidos, e a umidade fica cada vez mais sufocante. Jatos de vapor assobiam ameaçadoramente, quando escapam de baixo dos nossos pés, dando a entender qual o segredo mortal da ilha. Algo terrível espreita por baixo da crosta de Aogashima, como se vê – e é mais que capaz de ceifar vidas.

Contudo, apesar do poder terrível de Aogashima, ela é na realidade surpreendentemente pequena. A ilha mede pouco mais de 3 quilômetros de comprimento, na verdade, e pouco mais de 2,4 quilômetros de largura. E uma parte generosa da ilha é ocupada por uma impressionante cratera que tem quase 1,6 quilômetros de largura. Uma pequena colina está dentro do buraco, completa com sua própria depressão minúscula no topo.

E embora mais de 320 quilômetros de oceano separem a pequena ilha da extensa metrópole de Tóquio, Aogashima tem ligações próximas com a capital do Japão. Afinal, Tóquio administra as 200 e poucas pessoas que chamam Aogashima de lar. A cidade cuida de serviços parecidos nas outras ilhas no Pacífico, também. Iwo Jima e Okinotori também são ambas governadas pela metrópole – a despeito do fato de que estejam a 1200 quilômetros e a 1730 quilômetros de distância dela, respectivamente.

Entretanto, apesar das ligações de Aogashima com a bem-relacionada capital, viajar até a ilha é sabidamente difícil. Devido, em parte, a sua localização isolada, qualquer um que deseje acessar Aogashima precisa enfrentar mares traiçoeiros ou ir pelo ar. O serviço de balsa que dura duas horas, porém, frequentemente é vítima do clima imprevisível. E se vem uma tempestade, o serviço diário de helicóptero também pode ser cancelado.

Mesmo quando não estão se formando tempestades, o clima agradável da ilha ainda pode trazer problemas, e Aogashima também está sujeita a chuvas pesadas. O YouTuber John Daub certamente pode confirmar isso. Em 2017, o apresentador visitou Aogashima para gravar um especial para seu canal ONLY in JAPAN. Enquanto caminhava, Daub comentava que o “nível de umidade era absurdamente alto”, à medida que o suor encharcava a parte de trás de sua camisa.

A rota de caminhada em que Daub se encontrava pela primeira vez, de fato, é uma das poucas ligações em Aogashima. Assim como os caminhos que levam para baixo partindo das paredes da depressão até as construções abaixo, uma outra rota leva os pedestres a um caminho traiçoeiro que termina num mirante precário, na ponta da cratera mais externa da ilha. Uma única estrada atravessa Aogashima, indo do porto sudoeste da ilha em direção ao vilarejo, do lado norte. 

Bem acima do nível do mar, encravada no contraforte de uma curiosa colina de Aogashima, estão as moradias que os habitantes de Aogashima chamam de lar. Contudo, ainda que o vilarejo possa parecer um assentamento para quem não foi convidado, é mais precisamente descrito como duas aldeias. As comunidades – chamadas Yasundogo e Nishigo – são praticamente conjugadas, de modo que são vistas, em geral, como uma só.

Uma das principais ocupações de Aogashima é a agricultura. Entretanto, ainda que os ilhéus produzam uma variedade de produtos, os produtores não conseguem tirar um bom lucro da venda de seus produtos. Com exceção da única loja de varejo de Aogashima, como se sabe, simplesmente não há outros lugares para divulgar seus produtos – então os próprios pequenos proprietários comem quase todas as frutas que colhem.

Além de cultivar seus próprios produtos, vários habitantes da ilha vão ao porto em busca de sustento. Sim, a pesca é a segunda maior atividade de Aogashima, e a ilha atrai uma espécie subaquática em particular. O charoteiro (ou lírio) é abundante na costa de Aogashima na estação quente, e seu distinto corpo listrado é visto com frequência nos anzóis dos pescadores.

Deixando de lado o esplendor natural de Aogashima, a ilha ostenta poucos confortos. Alguns dos habitantes administram “minshukus”, um tipo de pousada que oferece também refeições, para atender visitantes. O lugarejo também abriga um bar com opções de buffet – um “izakaya” – uma loja de departamentos, um correio e uma escola. Esta última é o único lugar com um semáforo em Aogashima, para educar estudantes quanto à segurança nas ruas em partes mais populosas do globo.

Aogashima abriga uma das construções que os visitantes costumam achar muito especial, contudo. A ilha é realmente muito conhecida por seu shochu: uma bebida destilada que vem numa variedade de sabores. E os turistas podem participar de um tour pelas instalações onde a bebida é destilada e engarrafada. Esse passeio nos bastidores envolve uma boa quantidade de degustação de shochu, inclusive.

Os residentes em Aogashima também oferecem um tratamento acolhedor como o de uma família. Torinabe, um tipo de caldo de galinha, é a iguaria mais celebrada da ilha. E talvez não seja o que você pensaria ser. Em vez de ser enriquecida com suculentos cortes de aves, torinabe é na realidade quase totalmente feita com ossos de frango, de galinhas cuja época de postura já acabou. Isso dá ao cozimento, aparentemente, um sabor divino.

Com tão pouca gente a fim de viver em Aogashima – sem dúvida por conta de sua reputação mortal – seus moradores são incrivelmente unidos. Daub descreveu a aparência de união dos ilhéus em seu vídeo, dizendo, “A comunidade na ilha é pequena e unida. Quando uma aluna saiu da ilha para férias de verão, recebeu uma festa de despedida maravilhosa”. Mas será que eles seriam assim tão receptivos com gente de fora?

Bem, de acordo com uma enfermeira experiente e recém-chegada na ilha, Moemi-san, a hospitalidade dos ilhéus é excelente. Inclusive, em uma entrevista com Daub, Moemi-san descreveu sua transferência a Aogashima. E ter se mudado para a ilha certamente não foi um choque para a jovem profissional, que revelou sua razão para querer se mudar para um lugar tão perigoso. 

Pois então, a jovem enfermeira estava desesperada para vir, porque ela tinha vivido em outra das ilhas de Tóquio antes: Hahajima. “Fiquei lá até os três anos,” disse ela. “Depois disso vivi em diferentes áreas do Japão, mas a vida na ilha é algo que eu amo. Quando me tornei enfermeira, havia uma possibilidade de vir morar e trabalhar aqui, e achei que ia ser uma ótima oportunidade.”

A jovem enfermeira tinha enfrentado algumas dificuldades, no entanto, desde que se transferiu para Aogashima. “Quando se trabalha numa ilha como esta, não há muitos medicamentos. Há sempre só um pouco de tudo. Na ilha tem eu e o médico. Temos que fazer tudo sozinhos, então pode ser mesmo um desafio,” confidenciou ela a Daub.

E há um motivo especial por que trabalhar e viver em Aogashima é tão difícil. É que a ilha não é de jeito nenhum como parece. Em vez de ser um paraíso isolado, Aogashima é, em verdade, um vulcão ativo – e seus habitantes construíram suas casas bem no alto dele.

Realmente, rotular Aogashima como “um” vulcão pode ser eufemismo. A ilha é formada pelos remanescentes de nada menos que quatro vulcões submarinos – escapes oceânicos que emitem magma. E Maru-yama, o cone menor que está dentro da imensa cratera da ilha, também é ele mesmo um vulcão.

Os vulcões existem lá há milhares de anos. A parte vulcânica mais antiga, conhecida como Kurosaki, fica na região noroeste de Aogashima e acredita-se que tenha se formado primeiro. Em seguida, um segundo vulcão se desenvolveu no lado contrário da ilha e agora é o maior dos dois. Mesmo os penhascos da ilha foram formados por atividade vulcânica: são o resultado de erupções vulcânicas anteriores.

Os vulcões de Aogashima são classificados como estratovulcões, ou vulcões compostos. Vulcões desse tipo têm normalmente a forma de um cone, e são formados de camadas de vários produtos vulcânicos, tais como lava resfriada e rochas vulcânicas chamadas de pomes. Outros estratovulcões notáveis incluem o Monte Vesúvio, que apagou do mapa de maneira infame a cidade romana de Pompeia.

Assim como os próprios vulcões, Aogashima também é o lar de uma impressionante caldeira, chamada Ikenosawa. Esse fenômeno geológico é mais conhecido geralmente como uma cratera, e é uma característica relativamente comum de um estratovulcão. As crateras costumam se formar logo depois da erupção vulcânica. Nesse momento, a crosta que cobre a câmara magmática está no ponto mais fraco e pode retroceder até a caverna inferior – resultando numa imensa cratera superficial.

Como Aogashima foi formada a partir de derramamentos incandescentes de vulcões, sua geologia é decididamente vulcânica por natureza. A ilha é inicialmente composta de basalto, uma rocha preta que é formada por magma resfriado. E outra rocha ígnea, chamada andesito, também é dominante. Geralmente de tom mais claro que o basalto, o andesito é principalmente associado a estratovulcões.

Como a ilha envolve tantos vulcões, não é uma surpresa que Aogashima tenha sido sacudida por várias erupções durante os séculos. Realmente, acredita-se que a mais antiga tenha ocorrido aproximadamente em 1800 a.C. E desde então, a ilha continua a entrar em erupção esporadicamente. Só no final dos anos 1700, no entanto, que a natureza explosiva de Aogashima se tornou um problema realmente terrível.

Nos anos 1780, pelo que se sabe, Aogashima foi sacudida por um número de terremotos que se sucederam rapidamente. De acordo com registros oficiais guardados em Hachijo-jima, esse fenômeno – chamado de um “enxame de terremotos” – começou pra valer no verão de 1780, e voltou a acontecer no ano seguinte. Mas depois que a primeira rodada de tremores diminuiu, algo com chances de ser mais preocupante aconteceu: podia-se ver vapor saindo dos lagos em Ikenosawa.

E esse vapor ameaçador provou ser um prenúncio do que estava por vir. Na primavera de 1783, Maruyama entrou em erupção, e os sprays de lava derretida indicavam que Aogashima precisava ser evacuada. Naquele momento, a ilha abrigava mais de 60 famílias: todas fugiram dali. Mas a prudência dos moradores da ilha não os salvaria dois anos depois.

Em 1785, Aogashima trovejou de novo – e desta vez, vários Ilhéus não tiveram tanta sorte. Naquele ano, mais de 300 pessoas moravam em Aogashima, mas a população foi quase reduzida à metade devido ao vulcão. Como resultado de uma erupção enorme, cerca de 140 pessoas, que tinham vivido na ilha, tragicamente perderam a vida.

Surpreendentemente, os eventos terríveis que tinham se abatido sobre o povo de Aogashima não impediram que os ilhéus sobreviventes retornassem a suas casas. Em coisa de 50 anos, os antigos moradores começaram a voltar à costa de Aogashima. E a população continuava a aumentar nos anos seguintes. Em 2009, mais de 200 pessoas eram residentes permanentes.

E ainda que os vulcões tenham estado em silêncio desde 1785, a ameaça está longe de ter terminado. Afinal, Aogashima ainda é classificada como ativa pela Japanese Meteorological Agency – mesmo que não tenha entrado em erupção por centenas de anos. Apesar dos séculos de inatividade, a organização acredita que Aogashima provavelmente vai expelir lava novamente; é só uma questão de tempo.

Os moradores da ilha parecem que se acostumaram com Aogashima, no entanto, e adaptaram seus estilos de vida às suas casas incomuns. Muitos dos locais dirigem pela pequena ilha, por exemplo, em vez de optar por ir de bicicleta ou caminhar. Mas sua preferência pelas quatro rodas não tem a ver com uma forma de escapar da fúria de um vulcão. Na realidade é o clima úmido e ventoso de Aogashima que torna o uso de bikes uma ideia desagradável.

De qualquer forma, viver no topo de um vulcão ativo tem certamente trazido benefícios aos ilhéus em pelo menos um aspecto. Os moradores deram um bom uso aos vapores de origem natural da ilha vulcânica, pelo menos é o que parece: ele aquece as casas dos moradores, ferve a água e cozinha a comida deles. E este método inovador de preparar as refeições rendeu alguns alimentos incomuns, incluindo batatas e ovos ao vapor de vulcão.

Os viajantes de longe também têm visitado Aogashima para experimentar seu estilo de vida incomum. Muitos dos turistas que são atraídos à ilha fazem o “bate-volta”, os quais, supõe-se, não desejam passar a noite encolhidos sobre um vulcão ativo. No entanto, há alguns atrativos exclusivos para turistas.

Por um lado, o centrinho da ilha oferece uma casa de banho muito especial. É isso mesmo: viajantes que enfrentam Aogashima podem se regalar com o vapor de um vulcão ativo. A sauna geotermal certamente não é para todos, no entanto. Quando o YouTuber John Daub se aventurou a entrar nela, por exemplo, não teve uma experiência relaxante.

Assim que se expôs ao vapor vulcânico, Daub comentou, “Mal consigo respirar, é como se eu estivesse respirando água”. E o YouTuber logo avisou, “Tenho que sair. Está simplesmente quente demais.” Porém, depois de sair da sauna, Daub passou por outra peculiaridade da ilha que caiu bem para ele.

Fora das instalações, as pessoas podem preparar um rango em recipientes posicionados sobre as saídas de ar vulcânicas. Daub tentou fazer isso e descreveu o processo de cozimento geotermal. “A comida fica sobre a saída de vapor por cerca de 30 a 35 minutos,” disse ele. “Há uma alavanca sob a saída de vapor que abre e fecha, e o vaporizador controla o vapor que sai naturalmente do solo.”

Aogashima também oferece algumas oportunidades incríveis para quem faz caminhadas: quantos podem dizer que subiram num vulcão ativo? As vistas que se tem do alto dele também não são brincadeira. Os viajantes podem ir até o Oyama View Park, por exemplo, para curtir vistas estonteantes da ilha. Por sua vez, outros viajantes optam por trocar as botas de caminhadas por nadadeiras e praticarem mergulho autônomo. 

Talvez uma das maiores atrações de Aogashima, no entanto, é sua atmosfera serena. E mesmo que não se espere que um vulcão ativo transmita calma a seus habitantes, os visitantes da ilha têm notado sua aura relaxante. Em 2016, por exemplo, um viajante que tinha estado em Aogashima escreveu na revista Japanzine, “Não há muito o que fazer em Aogashima, mas é um ótimo lugar para se desligar e experimentar a natureza intocada do Japão.”

E é fácil ver por quê. De noite, os moradores podem admirar um céu estrelado sem a influência das luzes da cidade; de dia, a ilha tranquila é um contraste marcante com a intensidade de Tóquio e a vida urbana. Ainda assim, não importa quão atraente pareça Aogashima, ela continua perigosa. Em 2007, a Japanese Meteorology Agency declarou que outra erupção pode ser iminente. Só o tempo dirá, então, quando o vulcão acordará novamente.