Foi a esposa de Abraham Lincoln quem ouviu as últimas palavras sussurradas desse grande presidente

Estamos na noite de 14 de abril de 1865. O presidente Abraham Lincoln encontra-se sentado com sua amada esposa, Mary Todd Lincoln, em seu camarote privado no Teatro Ford em Washington, D.C. O feliz casal está entretido com a peça Our American Cousin - no entanto, o destino possuía outros planos para eles. Às 22h15, John Wilkes Booth aproxima-se por trás do presidente e atira em sua cabeça. É claro que a maior parte de nós já sabia disso, porém, o que será que Lincoln disse antes de morrer? Suas palavras finais a Mary foram ferozmente contestadas ao longo dos anos e a verdade por trás disso é chocante.

O assassinato de Lincoln ocorreu logo após uma grande vitória. A devastadora Guerra Civil Americana, também conhecida como Guerra de Secessão, havia terminado apenas cinco dias antes. Depois da Batalha de Appomattox Court House, o general da Confederação Robert E. Lee rendeu seu exército ao general da União Ulysses S. Grant. Já Booth, o assassino do presidente, era um conhecido simpatizante dos Confederados. Assim, a morte de Lincoln foi parte de um ataque de três frentes contra o governo dos Estados Unidos e, aparentemente, tinha a intenção de ressuscitar a causa.

Apesar da Confederação ficar no sul do país, Booth havia permanecido no norte durante o conflito. Por quatro sangrentos anos, aquele homem buscou avançar em sua carreira de ator. Entretanto, após Lee render seu exército, Booth - que antes tinha traçado um fracassado plano para sequestrar Lincoln - conspirou para cometer um ato muito mais terrível.

Então, quando Booth soube que os Lincolns iriam ao teatro naquela fatídica noite, ele colocou seu plano em ação. O ator até convocou seus comparsas para matar o secretário de Estado William H. Seward e o vice-presidente Andrew Johnson - tanto que estes assassinatos deveriam ter acontecido também no momento em que Booth atirou em Lincoln. Afinal, eles acreditavam que a morte do presidente e de seus dois sucessores em potencial deixaria o país um caos.

Booth sentiu que o fato de Lincoln estar no teatro dava a ele a oportunidade única de se aproximar do presidente e conseguir escapar. Como o ator havia se apresentado lá várias vezes, ele estava familiarizado com o edifício. Aliás, por ser conhecido da equipe, tudo indica que ele utilizou suas conexões para obter fácil acesso ao camarote particular de Lincoln.

Naquela noite, o presidente e sua esposa estavam em um camarote acima do palco com o militar Henry Rathbone e sua noiva Clara Harris, a qual era filha do senador de Nova York Ira Harris. Contudo, Lincoln e seu grupo chegaram atrasados ao teatro, tanto que a orquestra teve que parar momentaneamente o espetáculo para tocar Hail to the Chief. Naquele momento, 1.700 pessoas levantaram-se para saudar o presidente.

De toda forma, Lincoln não estava sem um segurança no evento. O policial John Frederick Parker estava lá para proteger o camarote privado do presidente. Durante o intervalo da peça, todavia, o policial acompanhou o cocheiro e o criado de Lincoln a um bar. Isso obviamente deixou o camarote desprotegido e facilitou tanto a entrada de Booth no local quanto a sua fuga.

Como Booth conhecia bem a peça, ele cronometrou seu ataque para coincidir com uma frase particularmente engraçada proferida pelo ator Harry Hawk. Portanto, quando todos do teatro explodiram em gargalhadas, Booth aproximou-se por trás de Lincoln e atirou atrás de sua orelha esquerda. Inclusive, o ator usou uma Derringer de calibre .44 e tiro único. A bala passou pelo cérebro de Lincoln e fraturou a órbita ocular.

Ao ver Booth ao lado do ferido presidente, Rathbone imediatamente foi para cima do ator. No entanto, o jovem militar acabou sendo apunhalado no antebraço esquerdo durante a luta. Nisso, Booth saltou de uma altura de 3,6 m do camarote para o palco, caindo mal e machucando o pé esquerdo.

Assim, o ator segurou sua faca ensanguentada acima da cabeça e se dirigiu à plateia. Naquela hora, a maioria das pessoas presentes acharam que aquele alvoroço todo fazia simplesmente parte da apresentação. Enfim, ao que parece, Booth gritou durante a fuga: "Sic semper tyrannis!". Esta frase é nada menos que o lema do estado da Virgínia e significa: "Assim sempre aos tiranos!".

O assassino, então, correu pelo palco em direção a uma porta de saída, esfaqueando o líder da orquestra William Withers Jr. no caminho. Depois que Booth escapou do teatro, ele montou em um cavalo que já havia deixado em um beco e saiu pela noite de Washington. A partir dali, o ator tornou-se o alvo de uma exaustiva busca.

A motivação de Booth para matar o presidente ainda pode parecer incerta, porém, esteve firmemente enraizada no papel que Lincoln desempenhou durante a Guerra Civil Americana. Tal assassinato pode ser remontado pelas ações do presidente durante o conflito - uma em particular levou Booth ao seu limite.

O conflito desenrolou-se entre duas forças opostas conhecidas como União e Confederação. A União referia-se aos Estados Unidos da América - mais especificamente, aos 20 estados livres e outros quatro fronteiriços onde a escravidão era ilegal ou estava em processo de eliminação. Faziam parte disso, por exemplo, as regiões de Washington, D.C., Nova York, Califórnia, Michigan, Illinois e Pensilvânia.

Por outro lado, os Estados Confederados da América foram formados, antes da posse de Lincoln, pelos sete estados do sul do país cujos habitantes em grande parte não queriam que a escravidão fosse abolida. Dessa maneira, Flórida, Mississippi, Carolina do Sul, Alabama, Texas, Geórgia e Louisiana separaram-se dos outros estados e tornaram-se uma república não reconhecida. Tudo isso porque Lincoln não era a favor da expansão da escravidão na região oeste do país. Logo, os sulistas sentiram que seus negócios estavam sob ameaça.

Embora Lincoln não fosse um abolicionista, ele acreditava que a escravidão era moralmente errada, tanto que chegou a questionar a Constituição dos Estados Unidos. Em um longo discurso no ano de 1854, Lincoln admitiu que não sabia de fato qual era a melhor medida para se tomar em relação à escravidão.

Durante um debate com seu oponente Stephen Douglas na disputa por uma vaga no Senado dos Estados Unidos por Illinois, em 1858, Lincoln foi acusado de apoiar a igualdade racial. De acordo com o History.com, o futuro presidente respondeu: "Não sou nem nunca fui a favor de trazer alguma igualdade social e política entre brancos e negros". Além disso, ele argumentou que os afro-americanos deveriam continuar sem o direito de votar, ocupar cargos, servir em júris ou casar com brancos.

Lincoln acreditava, contudo, que os afro-americanos possuíam o direito de melhorar sua posição social através do trabalho árduo e de desfrutar dos benefícios de seu serviço. Segundo o futuro presidente, como a escravidão impossibilitava esse tipo de avanço na sociedade, a instituição estava moralmente errada.

Entretanto, as opiniões de Lincoln a respeito da igualdade racial evoluíram ao longo de seu mandato. Em 11 de abril de 1865, por exemplo, ele afirmou - em seu último discurso - que qualquer homem preto que houvesse servido à União durante a Guerra Civil Americana deveria ter o direito de votar. Desse modo, pela postura do presidente era óbvio que ele tinha mudado um pouco de ideia em relação a sua afirmação naquele debate de sete anos atrás.

A propósito, o posicionamento de Lincoln sobre raça tem sido visto de forma diferente por sucessivas gerações. Afinal, ainda que tenha libertado os escravos, ele possuía antes algumas opiniões que muitos hoje considerariam, no mínimo, problemáticas. Em 2009, o editor-chefe do The Root, Henry Louis Gates Jr., alegou que o presidente teve algumas opiniões surpreendentemente liberais para aquele período. Ele declarou: "Pelos padrões da época, as opiniões de Lincoln acerca de raça e igualdade eram progressistas e mudaram, de fato, mentes, políticas e - o mais importante - corações nos anos seguintes".

Todavia, e o assassino de Lincoln? Bem, Booth veio de uma importante família de atores em Maryland. Como seu pai, Junius Brutus, e seus irmãos, Edwin e Junius Brutus Jr., trabalhavam com atuação, Booth seguiu o mesmo caminho. No final da década de 1850, ele tornou-se um ator extremamente rico e famoso, ganhando o equivalente a cerca de 570 mil dólares hoje em dia.

A verdade é que, antes do início da Guerra Civil Americana, Booth era muito estimado pelo pessoal do sul. No entanto, quando o conflito começou, o ator optou por permanecer no norte e, pelo jeito, ficou irritado quando o público não reagiu a ele tão bem quanto os sulistas reagiam. Também, Booth tinha fortes opiniões políticas e bastante ódio pelos abolicionistas e por Lincoln - algo que nem mesmo alguns membros de sua própria família possuía.

Booth, por exemplo, parecia não estar de acordo com seu irmão Edwin. Aliás, Edwin não apoiava a escravidão como sua família, tanto que já havia até se recusado a atuar no sul. Porém, Booth repudiava tanto a União que chegou a ser preso em St. Louis, em 1863, por "traição". Conforme alguns relatos, o ator foi ouvido dizendo que desejava que "o presidente e todo o maldito governo fossem para o inferno".

Assim, estas divergências políticas acabaram fazendo com que Edwin se distanciasse de Booth, o qual já não era mais bem-vindo na casa de seu próprio irmão. Enfim, o ódio do ator por Lincoln aparentemente só piorou com o tempo. Segundo o livro John Wilkes Booth: A Sister's Memoir, escrito por Asia Booth Clarke - irmã daquele assassino -, ele havia dito: "A aparência daquele homem... e sua política são uma vergonha para o cargo que ocupa. Ele se tornou um instrumento do norte para acabar com a escravidão".

Contudo, o mais cruel é que Lincoln pode ter sido fã de Booth. De acordo com o ator Frank Mordaunt, o presidente havia não só assistido a diversas peças do rapaz, como também tinha até o convidado para visitá-lo na Casa Branca. Ao que parece, entretanto, o ator recusou o convite e, conforme o site Civil War Saga, comentou com seus amigos que preferia "receber os aplausos de um negro aos do presidente".

Todavia, como Lincoln não fazia ideia de que maneira aquele 14 de abril terminaria, ele havia começado o dia com uma reunião de gabinete. Os tópicos foram centrados no tratamento dado aos líderes derrotados da Confederação e no auxílio econômico que seria oferecido ao sul. Durante o almoço, o presidente ficou com sua esposa, Mary Todd Lincoln, e participou, em seguida, de mais algumas reuniões, como com a ex-escrava Nancy Bushrod. Após tais compromissos, Lincoln passeou de carruagem com Mary.

Mais tarde, depois da carruagem dos Lincolns ter buscado o militar Rathbone e sua noiva Harris na casa do pai da jovem, os quatro seguiram para o teatro. Quando Hail to the Chief chegou ao fim, todos tomaram seus lugares e, ali, Mary parece ter flertado com Lincoln enquanto segurava sua mão. De acordo com o livro de Stephen Mansfield, Lincoln's Battle with God, a esposa do presidente questionou: "O que a Srta. Harris pensará de mim assim agarrada a você?".

Mansfield acrescentou que Mary possuía a reputação de ser bastante ciumenta. Ela costumava gritar, por exemplo, com qualquer mulher que ousasse caminhar perto de seu marido. No entanto, esse ciúmes não veio à tona no teatro e Lincoln aparentemente respondeu: "Ora, ela não pensará nada demais".

Por muitos anos, todos acharam que essas foram as últimas palavras do presidente. Em 1882, porém, o reverendo Noyes W. Miner, amigo da família Lincoln, afirmou que Mary havia dito que as palavras finais de seu marido foram bem diferentes. Miner, então, escreveu a respeito desta revelação em um sermão intitulado de Reminiscências pessoais de Abraham Lincoln.

Portanto, Mansfield registrou que Lincoln tinha dito a sua esposa que após a guerra eles não voltariam "imediatamente para Springfield". Inclusive, a cidade de Springfield, em Illinois, foi onde a família viveu antes de ele assumir o cargo de presidente. Segundo o autor, Lincoln continuou: "Iremos para o exterior, entre estranhos, onde eu possa descansar". Desse modo, ele inclinou-se para Mary e sussurrou suas próximas palavras.

"Visitaremos a Terra Santa", parece que Lincoln declarou. "Visitaremos a Terra Santa e veremos aqueles lugares santificados pelos passos do Salvador. Não há lugar que eu deseje tanto ver quanto Jerusalém". Dessa forma, Booth atirou na cabeça do presidente e ele não aguentou, falecendo na manhã seguinte às 7h22.

Em seu livro, Mansfield reconheceu que essas palavras finais - as quais abrangem uma profunda fé - muitas vezes não estão inseridas nas obras que tratam do assassinato de Lincoln. O autor disse: "É normal que alguns duvidem. Os alunos não aprendem isso como aprendem outros fatos da vida de Lincoln".

Assim, Mansfield contou que as últimas palavras do presidente acabaram sendo omitidas da maior parte das descrições históricas por causa, provavelmente, da hesitação dos estudiosos em declará-lo como um homem religioso. Ele acrescentou: "Lincoln era, afinal, uma excentricidade religiosa. Ele nunca frequentou uma igreja. Na verdade, ele passou por períodos em sua vida em que era abertamente contra a religião - até mesmo contra Deus".

O autor prosseguiu: "Certamente, dirão os críticos, insistir que estas palavras são verdadeiras ou que refletem a fé de Lincoln, é parte de uma reformulação religiosa de sua vida - parte de uma equivocada tentativa dos devotos de transformá-lo em um brilhante ícone religioso de alguma religião nacional imaginada". Mansfield continuou: "Isto é fruto de pesquisas ruins e estudos lamentáveis: mais mito do que história".

Esse autor também reiterou que, ao longo dos anos, importantes estudiosos de Lincoln atestaram a validade daquelas palavras, apesar das críticas. Até porque tinha sido a própria esposa do presidente que aparentemente transmitiu as palavras ao reverendo Miner. Dessa maneira, notáveis historiadores de Lincoln, como Allen C. Guelzo, Wayne Temple e Doris Kearns Goodwin, tomaram aquilo como verdade.

O Dr. James Cornelius, curador da Lincoln Collection na Biblioteca Presidencial Abraham Lincoln em Springfield, comentou sobre o relato de Mary em relação às últimas palavras de seu marido. Ele disse: "Acreditamos que seja real". Aquelas frases podem ter sido mesmo as últimas coisas que Lincoln disse e, se isso for verdade, destaca suas complexas perspectivas religiosas.

Contudo, o que aconteceu depois de Lincoln ter proferido suas últimas palavras e falecido na manhã seguinte? Bem, o corpo do presidente foi coberto pela bandeira estadunidense e levado com escolta armada até a Casa Branca. Lá, ao realizarem a autópsia, Mary pediu que retirassem uma mecha do cabelo de seu marido para que ela pudesse sempre guardar.

Desse jeito, a nação ficou de luto. Ao fim do dia da morte de Lincoln, por exemplo, em todo o país as bandeiras estavam hasteadas a meio-mastro e os estabelecimentos fechados. Quando o corpo do presidente foi levado de trem para Springfield, dezenas de milhares ficaram à espera na ferrovia para prestar suas últimas homenagens a ele.

Lincoln, então, foi enterrado no Cemitério de Oak Ridge ao lado de seu filho William Wallace Lincoln, o qual havia morrido de febre tifoide três anos antes. Mary, por sua vez, estava tão destruída pela perda de seu marido que ficou de cama por semanas. Logo, ela não conseguiu comparecer ao funeral e a sociedade passou a desprezá-la pelo modo como estava lidando com aquele luto.

A verdade é que, naquele período, esperava-se que as mulheres de alta posição na sociedade mantivessem a compostura em público - mesmo em tempos de luto. Entretanto, ao invés de ocultar suas emoções, Mary exibia-as para que todos vissem. Inúmeros estudiosos modernos acreditam agora que ela pode ter sido bipolar, de toda forma, seus contemporâneos simplesmente a condenaram ao ostracismo.

Quanto a John Wilkes Booth, ele foi encontrado escondido em um celeiro de Maryland após uma busca de 12 dias. Todavia, o ator permaneceu lá dentro, sendo necessário que os soldados da União incendiassem a estrutura para atraí-lo para fora. Nisso, Booth levou um tiro no pescoço e foi arrastado do celeiro até o alpendre da fazenda, onde morreu três horas depois. Quatro de seus comparsas também foram pegos e enforcados mais tarde pelo envolvimento no assassinato de Lincoln. Infelizmente, devido às ações de Booth, o presidente nunca chegou a ver em vida Jerusalém.