Quatro soviéticos ficaram à deriva por 49 dias até serem encontrados por um navio de guerra dos EUA

Estamos em março de 1960 e o porta-aviões dos Estados Unidos, o USS Kearsarge, encontra-se nas águas do Oceano Pacífico. A viagem é de rotina, indo do Porto de Yokosuka até aos Estados Unidos. No entanto, o que os soldados avistam três dias após o navio ter partido do Japão não tem nada a ver com o que normalmente encontravam na região. Ali estava nada mais nada menos que uma barcaça militar russa.

A bordo da embarcação, havia quatro soviéticos. Aos militares norte-americanos, era óbvio que aqueles sujeitos estavam com sérios problemas. Porém, isso ocorreu no auge da Guerra Fria - um longo e intenso período de hostilidade o qual marcou as relações entre a União Soviética e os Estados Unidos. Assim, qual era o protocolo correto a seguir em uma situação como aquela? Os soldados estadunidenses deveriam ajudar aqueles militares soviéticos que passavam por dificuldades? Ou teriam que tomar um curso de ação mais fatal?

Bem, aqueles quatro homens - que trabalhavam com operações militares de construção - se encontravam de fato em apuros. Afinal, eles passaram quase 50 desesperadores dias naquela situação. Esse foi o tempo, aliás, em que a barcaça deles, um navio de transporte motorizado, ficou à deriva no Pacífico. Os ventos e as correntes oceânicas acabaram os levando a uns 1.600 km de distância de onde estavam inicialmente.

A questão é: como aqueles indivíduos foram parar ali? Pois é, os militares soviéticos - um russo, dois ucranianos e um tártaro - trabalhavam na Baía de Kasatka, na Ilha de Iturup, que faz parte do arquipélago das Ilhas Curilhas. Os russos tinham, na verdade, tomado as Ilhas Curilhas dos japoneses no final da Segunda Guerra Mundial. Durante o conflito, a baía tinha sido uma importante base naval do Japão.

De toda forma, a embarcação, conhecida como T-36, pesava 100 toneladas, possuía 17 m de comprimento e era movida por dois motores que chegavam a uma velocidade máxima de um pouco menos de dez nós. Entretanto, aquela barcaça projetada para navegação costeira acabou indo além durante uma violenta tempestade.

No dia em que o Kearsarge encontrou a T-36, aquela poderia ter sido uma oportunidade e tanto para o navio da Marinha dos Estados Unidos realizar uma boa ação aos soviéticos. Todavia, é importante lembrar que 1960 foi realmente o auge da Guerra Fria. Como todos nós sabemos, durante a Segunda Guerra Mundial, a União Soviética e os Estados Unidos foram aliados na luta contra os alemães e os japoneses. No entanto, a amizade chegou ao fim quando o conflito terminou.

Dessa maneira, o mundo ficou basicamente dividido em dois campos. Em um, os Estados Unidos lideravam as democracias ocidentais e, no outro, a União Soviética comandava os estados comunistas. Logo, qualquer encontro entre as forças militares dessas duas superpotências era, no mínimo, de pura tensão. Isto explica, inclusive, por que os soviéticos em sua barcaça à deriva foram tão cautelosos ao serem abordados por aquele navio da Marinha dos Estados Unidos.

Como citado anteriormente, foi o porta-aviões dos Estados Unidos, o USS Kearsarge, que encontrou a barcaça no oceano. A propósito, aquele impressionante navio de assalto anfíbio também possui uma história que se equipara à sua assustadora aparência.

Para começar, o Kearsarge foi, na verdade, o terceiro navio militar dos Estados Unidos a navegar com esse nome. Lançado em 1861, o primeiro Kearsarge foi uma famosa chalupa de guerra que lutou do lado da União na Guerra de Secessão. Essa embarcação será para sempre lembrada por ter afundado o navio da Confederação, o Alabama, ao largo da costa da França no ano de 1864. Pelo jeito, o Alabama tinha prejudicado antes o transporte marítimo mercante da União.

Já o segundo Kearsarge foi um navio de guerra construído no final do século 19. A embarcação atuou principalmente no Atlântico e, durante a Primeira Guerra Mundial, serviu como um navio-escola. Por fim, o Kearsarge acabou sendo descartado em 1955, depois de trabalhar por muitos anos como um navio guindaste, o qual levantava torres de artilharia e outros equipamentos pesados.

O Kearsarge desta história, porém, foi construído em Nova York e navegou pela primeira vez em 1945. De início, ele foi um porta-aviões da classe Essex, configurando-se como um dos 24 navios desse tipo construídos pelos Estados Unidos na época da Segunda Guerra Mundial. O Kearsarge, então, entrou em serviço em março de 1946, um ano após o fim daquele conflito. O navio, contudo, passou por uma grande reforma em 1950 para que pudesse transportar aviões a jato.

Posteriormente, o Kearsarge participou de um dos principais conflitos travados durante a Guerra Fria: a Guerra da Coreia. A partir de setembro de 1952, os aviões dessa embarcação fizeram cerca de seis mil ataques contra as forças norte-coreanas ao longo de quase meio ano. Depois, em total contraste com sua ação de combate, o navio atuou no clássico filme de 1954, A Nave da Revolta.

Após seu momento em Hollywood, o Kearsarge voltou ao Extremo Oriente e juntou-se à Sétima Frota dos Estados Unidos. Em 1958, o navio também se modernizou para a guerra antissubmarina. Desse modo, um ano depois, a embarcação foi fundamental na prestação de socorro às vítimas do devastador tufão Vera, o qual ocorreu no Japão.

Em 3 de março de 1960, portanto, o navio partiu do porto japonês de Yokosuka com destino à Estação Aeronaval de Alameda, na Califórnia, logo após a Baía de São Francisco. Assim, foi nessa viagem que o USS Kearsarge encontrou a barcaça soviética T-36.

Entre os soviéticos a bordo da embarcação, o sargento-chefe Askhat Ziganshin, de 21 anos, era o militar de maior patente. Ziganshin era o comandante dos soldados Filip Poplavski, Ivan Fedotov e Anatoly Kruchkovsky - os dois primeiros tinham 20 anos de idade e o último 22. Um artigo de 2015, publicado pelo jornal estatal russo Rossiyskaya Gazeta, utilizou os relatos desses homens para esboçar os acontecimentos daquele dia de 1960.

Ao que parece, aqueles militares posicionados na Baía de Kasatka se encontravam atracados em um local que não era o ideal. Na verdade, a barcaça e outras embarcações estavam simplesmente presas aos mastros dos naufragados navios japoneses, os quais eram relíquias da Segunda Guerra Mundial. De toda forma, Ziganshin e os outros soldados viviam a bordo daquela barcaça - e aquilo parecia ser melhor do que ficar na vila onde a unidade deles estava alojada.

As condições de vida a bordo da T-36 estavam longe de ser luxuosas, tanto que os aposentos daqueles sujeitos contavam com nada mais do que um rádio portátil, quatro beliches e um fogão. Aliás, foi em dezembro de 1959, depois das barcaças entregarem vários tratores, que uma sucessão de violentas tempestades se apoderou da Baía de Kasatka. Durante um desses temporais, todavia, aqueles quatro militares receberam o pedido para que a T-36 descarregasse carne de um navio refrigerado.

Duas barcaças, a T-36 e a T-97, foram enviadas para esse serviço de rotina. Afinal, o trabalho mais comum dessas embarcações consistia em navegar até navios maiores atracados no mar e levar a carga deles à costa. Em condições normais, as barcaças teriam a bordo suprimentos para uns dez dias, contando com itens alimentares básicos, como açúcar, carne, chá e biscoitos.

No entanto, naquela ocasião, a T-36 possuía uma quantidade mínima de suprimentos a bordo, já que a maior parte havia sido descarregada em preparação para o inverno. Isso porque, durante os meses mais frios, os militares acabavam ficando em seus quartéis. A tragédia, porém, ocorreu antes que eles pudessem fazer essa mudança. A força da tempestade rompeu um cabo da barcaça e Ziganshin e sua tripulação foram levados da costa.

A T-36 foi capaz de enviar uma mensagem de rádio para seu posto de controle e informar que seguiria junto com a T-97 à parte leste da Baía de Kasatka. Aparentemente, as rajadas lá eram menos potentes. Contudo, a intensidade daquela nevasca fez com que a T-36 perdesse o contato com a outra barcaça e, para piorar, o rádio da embarcação parou de funcionar.

De qualquer maneira, o lado leste da Baía de Kasatka acabou sendo tudo, menos seguro. A direção dos ventos mudou e a barcaça foi empurrada para o alto-mar. Com os tanques de combustível da embarcação rapidamente se esgotando, Ziganshin parecia acreditar que a melhor opção era tentar chegar à costa.

Entretanto, isso estava longe de ser uma tarefa fácil. Na intenção de encontrar seu caminho através de uma fenda nas rochas, aqueles homens chegaram a levar a T-36 em direção a um perigoso afloramento, conhecido como Colina do Diabo. A barcaça, todavia, colidiu com uma das rochas, sofrendo alguns danos e dando espaço para que a água adentrasse a casa de máquinas. Isso, no entanto, não foi suficiente para afundar a embarcação e a tripulação logo notou que eles tinham boas chances de chegar a uma praia arenosa.

Naquele crítico momento, porém, os motores da T-36 pararam. Consequentemente, Ziganshin perdeu o controle da barcaça e as correntes voltaram a lançar a embarcação para o alto-mar. Qualquer chance de chegar à costa teve um fim ali. A tripulação, então, estava não só sem combustível, como também sem qualquer meio de comunicação.

O artigo de 2015 no Rossiyskaya Gazeta informou que Ziganshin e os outros soldados nem consideraram nadar em direção à praia. A razão era óbvia: a tripulação achou que aquilo seria um ato suicida. Afinal, como a água estava abaixo de 0 °C, as chances de sobreviver àquela experiência era praticamente nula. A ideia de abandonar a T-36, portanto, mostrou ser um completo fracasso.

Além disso, não tinha como ancorar, pois as rajadas eram muito fortes e as águas bem profundas. As temperaturas ficaram tão baixas que até congelaram os cabos restantes da barcaça. Pois é, só restou àqueles militares ver a costa sumindo no horizonte. 17 de janeiro de 1960 foi quando isso aconteceu.

Apesar das dificuldades que a tripulação estava passando, contudo, não havia tempo para desespero. Por isso, eles concentraram-se em manter a água longe do motor da T-36. Até porque, na tentativa de chegar à costa, uma quantidade considerável de água acabou entrando na embarcação quando os soldados colidiram com uma das rochas. De todo modo, aquela habilidosa equipe felizmente conseguiu dar um jeito no problema.

Após o iminente risco do naufrágio ter diminuído, os quatro homens da T-36 fizeram um levantamento de seus suprimentos. Como você deve se lembrar, aqueles militares estavam se preparando para passar o inverno em terra firme, assim, possuíam uma menor quantidade de comida e água a bordo.

No total, eles tinham um balde de batatas que foram parcialmente estragadas pelo combustível derramado; um pão; uma quantidade de painço e de ervilhas; um recipiente com gordura; e uns dez litros de água. Como a água era destinada a resfriar os motores, o local em que estava armazenada contava com uma certa quantidade de ferrugem. Entretanto, era potável. Inclusive, a tripulação foi capaz de complementar seu abastecimento de água devido à água da chuva.

Aqueles indivíduos também tinham alguns maços de cigarros Belomorkanal e algumas caixas de fósforos. Óbvio que esses itens não colaboraram em nada para mantê-los vivos, todavia, em uma época que quase todos fumavam, pelo menos aquilo dava uma animada. Dessa forma, Ziganshin e sua tripulação não estavam realmente equipados para ficar por um prolongado período no oceano.

A princípio, no entanto, os homens estavam otimistas de que a aventura no alto-mar seria curta. Ao que parece, eles acreditavam que rapidamente outra embarcação iria localizá-los e resgatá-los. Os soldados achavam até mesmo que os ventos se tornariam mais favoráveis e os levariam de volta à terra. Porém, nenhuma dessas coisas aconteceu.

Por sorte, Ziganshin tomou a precaução de racionar estritamente seus suprimentos desde o início. Não muito depois da desconhecida viagem ter começado, parece que o sargento-chefe encontrou um velho jornal na barcaça. Nele, constava um artigo sobre aquela parte exata do oceano em que eles estavam ter sido reservada para testes de mísseis soviéticos.

Bem, isso não era uma boa notícia. Afinal, significava que o número de embarcações na área de testes provavelmente seria mínimo. Ou seja, suas chances de resgate passaram a se apresentar cada vez menores. De qualquer maneira, ainda que o rigoroso racionamento dos suprimentos tenha sido uma decisão que provou salvar vidas, as restrições pelas quais passaram foram severas.

No artigo do Rossiyskaya Gazeta, há a menção de que um dos militares, o soldado Fedotov, tinha até começado a mostrar sinais de extremo estresse. Tanto que ele, aparentemente, começou a dizer que todos morreriam de fome. Portanto, os outros dois homens pediram a Ziganshin que assumisse o controle dos suprimentos por razões de segurança. Mais tarde, as coisas ficaram ainda piores.

O racionamento começou com uma refeição diária de sopa feita com gordura, algumas batatas e um pouco de ervilha e painço. Cada homem também recebeu três pequenas porções de água, medidas em uma minúscula xícara que, na verdade, fazia parte de um conjunto de barbear. Após algum tempo, contudo, até aquela minúscula quantidade de água teve que ser reduzida pela metade.

Com o passar dos dias, os suprimentos a bordo da embarcação de fato esgotaram. Em um outro lugar, sem que a tripulação da barcaça soubesse, as coisas conspiravam para tornar suas perspectivas de sobrevivência ainda menores. Pois é, uma boia salva-vidas da T-36 apareceu em terra firme e a Marinha da Rússia acabou convencida de que os homens haviam mesmo morrido durante aquela tempestade.

Enquanto isso, os soldados tentavam pescar, mas sem sucesso. O desespero fez com que eles cozinhassem e comessem suas próprias roupas de couro - e até peças de um acordeão que por acaso possuíam. Em 7 de março, entretanto, restaram àqueles militares somente uma única bota, alguns fósforos e um pouco de água.

Isso foi quando o USS Kearsarge apareceu e encontrou os quatro homens no que certamente era o fim da vida deles. De qualquer modo, a tripulação soviética encontrava-se no mar há 49 dias e, de repente, depararam-se com norte-americanos se oferecendo para resgatá-los. Por isso, de início, Ziganshin e seus soldados ficaram relutantes em abandonar a barcaça, tanto que pediram apenas por suprimentos. Todavia, ao considerarem o estado do navio e o quão fracos estavam, os sujeitos perceberam que, para sobreviver, a melhor opção que tinham era embarcar naquele porta-aviões dos Estados Unidos.

Aqueles quatro homens foram devidamente transportados de sua barcaça para a segurança do Kearsarge e logo a notícia de um navio de guerra americano resgatando militares soviéticos correu pelo mundo. Em um período como aquele entre os Estados Unidos e a União Soviética, foi incrível ver a humanidade triunfar sobre a hostilidade.

O Kearsarge levou aqueles quatro aos Estados Unidos e, uma vez em São Francisco, cada um dos soviéticos recebeu roupas e dinheiro. Além disso, os homens foram homenageados pela imprensa e até receberam asilo nos Estados Unidos. No entanto, Ziganshin e seus soldados estavam ansiosos mesmo para voltarem à União Soviética.

Os militares, assim, recusaram de forma unânime a oferta de asilo e, felizmente, os temores que possuíam a respeito de como seriam recebidos em seu país se mostraram infundados. Afinal, as autoridades soviéticas declararam que os soldados eram, na verdade, heróis por causa de sua extraordinária façanha de sobrevivência no mar. Quando retornaram a Moscou, o ministro da Defesa se reuniu com aqueles quatro homens e ali, em sua terra natal, a imprensa não economizou elogios a eles. Pela primeira vez, uma história da Guerra Fria teve um final feliz.