Esses dois jatos dos EUA estavam em uma missão de rotina quando de repente um míssil surgiu do nada

É 19 de agosto, 1981, e dois Tomcats F-14 – top de linha dos jatos de caça dos EUA - estão patrulhando os céus no Golfo de Sidra na costa da Líbia. À frente deles estão dois Fitters SU-22 líbios (avião de ataque terrestre). Os Tomcats vão em direção a eles. Mas repentinamente um dos aviões de ataque terrestre lançou um míssil Atoll, e foi iniciada uma rotina de interceptação.

Os F-14 não têm nenhuma intenção além de advertir os aviões de ataque terrestre. Essa é a missão de hoje: informar aos líbios que eles estão se aproximando da zona onde vão encontrar fogo se não recuarem. Mas num flash, um míssil air-to-air está sendo enviado em direção ao primeiro avião da esquadrilha dos EUA, e os Top Guns da Marinha dos EUA estão em situação real de lutar ou fugir.

Tanto os Tomcats quanto os Fitters são o que se chama de combatentes swing-wing (aviões geometricamente variáveis). E esse tipo de avião nunca participou de combates entre si – até hoje. Além do mais, o próprio Tomcat nunca esteve num combate a curta distância. Mas o primeiro problema do líder da esquadrilha é que há um míssil Atoll vindo em sua direção, e esse combate pode terminar antes mesmo de começar.

Os Tomcats estavam no Golfo de Sidra num exercício de liberdade de navegação. É uma operação militar na qual os navios e aviões dos EUA demonstram seu direito de se locomover sob a lei internacional. Eles o fazem se manifestando contra as reivindicações de águas internacionais – feitas por outros países – que são consideradas exageradas. Quão “exageradas” dependem da água em questão.

Os Estados Unidos estavam mostrando aos líbios que, neste caso, eles defenderiam o direito de navegar no Mediterrâneo. Então enviaram uma força-tarefa que incluía os super porta-aviões Nimitz U.S.S. e Forrestal U.S.S para a área. Cada um dos porta-aviões acomodava dezenas de aviões e helicópteros, entre eles o F-14.

O F-14 nasceu de uma necessidade do avião de ser a principal defesa de um grupo de navios de guerra, ou “carriers” (porta-aviões). Se um inimigo enviasse bombardeiros para atacar os navios, o Tomcat decolaria e usaria sua velocidade e força para enfrentá-los de longe, sempre impedindo-os de chegarem perto.

E ele era veloz! O piloto de testes e designer do F-14, Charlie Brown, disse ao website Popular Mechanics em março de 2021, “As especificações da Marinha exigiam Mach 2.34 [mais de duas vezes a velocidade do som]. Na verdade, testamos o avião para Mach 2.5 [mais rápido ainda]. Quando você pilota um Phantom, ele é projetado para 2.0, mas quando você voa rápido assim, é como sentar-se numa bola inflável; você não sabe para qual lado ela vai, é super sensível. Num F-14, é como se sentar num Cadillac.”

Com um alcance imenso e uma combinação poderosa de tecnologia, esse animal habilidoso no ar não se atrapalharia em nada. O piloto Paco Cherici disse ao Popular Mechanics, “O Tomcat era um avião robusto que tinha na frente um radar enorme especialmente construído para lançar o míssil air-to-air mais letal inventado no ocidente, o AIM-54 Phoenix.

Um avião assim formidável talvez naturalmente atraísse a atenção do público. E quando os pilotos do F-14 se tornaram o foco do sucesso do cinema em Top Gun em 1986, ele virou um astro. Depois que o filme foi lançado, a Marinha estava inundada de jovens que queriam servir como aviadores e pilotar seus próprios Tomcat.

Contudo, com esse tipo de força disponível, você precisaria de cabeça fresca. Também precisaria de regras para o combate, e em agosto de 1981, os pilotos de guerra tinham claro quais eram as deles. Eles não estavam em guerra, então não estavam para iniciar nenhum ataque, mas não precisavam de permissão para contra-atacar se estivessem sob fogo.

Portanto se algum ataque fosse iniciado, os aviadores navais sabiam que estariam enfrentando fortes inimigos bem armados. Os líbios tinham seus próprios aviões, como os de construção soviética do MIG-25 Foxbat capaz de chegar a uma velocidade de Mach 3, até o robusto Su-22 Fitter, e os caças franceses Mirage 5D e F.1.

A aeronave que os Tomcats encontraram eram os Sukhoi Su-22. Esses aviões eram feitos para se locomover rapidamente próximo ao solo. Então não eram mesmo os melhores para os Tomcats. E esses bombardeiros não tinham radar, coisa que seria necessária num combate aéreo. Em vez disso, tinham um laser de mira na frente.

Todavia esses aviões de design soviético eram populares no mundo, particularmente porque as asas em flecha significavam que só precisavam de uma pista curta para decolagem. Com um motor potente e um conjunto completo de eletrônicos, não eram aeronaves para iniciantes, ainda que os sistemas a bordo ajudassem o piloto com lançamento de bombas e navegação.  

E o Su-22 poderia carregar uma completa variedade de bombas e mísseis de diferentes tamanhos, tornando-se uma ameaça para navios de combate. Embora fosse focado em bombardeamento, ele podia também atuar em reconhecimento aéreo. Então ele representou uma escolha a dedo para rastrear a localização da força-tarefa dos EUA. 

E mais, quando os líbios tentaram pela primeira vez romper a defesa dos porta-aviões dos EUA em 1981, usaram um avião diferente. Eles enviaram aviões MiG-25 assim que o exercício começou. Não demorou muito para que fossem expulsos por aviões dos dois navios, incluindo não só os Phantom F-4J mas também os F-14. E isso era só o começo.

Mas o que os líbios estavam fazendo? Bem, eles queriam saber onde estavam os porta-aviões. E a aeronave da Marinha dos EUA agiu como um anteparo, alertando-os para que se afastassem daquele lugar no espaço aéreo. Durante todo o dia 18 de agosto de 1981 os líbios enviaram aviões em duplas, 35 jatos no total. E por todo o dia eles se digladiaram nos céus do golfo.

Os navios dos EUA fizeram uso de seu anteparo aéreo novamente no dia seguinte. Como anteparo estavam dois Tomcats da esquadrilha VF-41, apelidados “Black Aces”. Esses aviões dispararam a partir do deck do Nimitz. E dado o ritmo e o poder dos F-14, eles receberam os “callsigns” (nomes de chamada) “Fast Eagle 102” e “Fast Eagle 107.”

Sua patrulha foi tranquila no começo. Mas isso logo mudaria. Os homens a bordo dos aviões teriam seu treinamento testado ao limite. Aqueles pilotos eram Henry “Hank” Kleemann – auxiliado pelo responsável pelo radar, Dave Venlet – o comandante de missão no Fast Eagle 102, e Larry “Music” Muczynski pilotando o Fast Eagle 107 – junto com James Anderson no radar.

Kleemann, um nativo das vastas terras do sul de Illinois, estava inicialmente um tanto acima do peso. Mas o treinamento na academia naval rapidamente eliminou qualquer limitação. Forte e musculoso, ele tinha tanta inteligência quanto músculos. E ficou conhecido por receber notas altas sem fazer esforço, antes de se tornar piloto.

Muczynski não tinha nascido para ser piloto. Começou só quando entrou na Marinha. Mas é justo dizer que ele levou a sério. Em 1981 estava fazendo a transição do Phantoms. Estava feliz com isso, quando disse ao website do Museum of Flight em 2018, “Foi muito importante ganhar um Tomcat.” Com a oportunidade de um avião veio a oportunidade de um navio, e ele estava adorando, apesar de que a comida no Nimitz deixava a desejar.

Falando para Bert Kinzey em seu livro F-14 and B Tomcat in Detail and Scale, Muczynski descreveu o que tinha acontecido no Golfo. Para começar, os pilotos Tomcat não estavam felizes. A estação deles não tinha tido muito movimento um dia antes. E também não estavam gostando muito de ficarem parados lá por tanto tempo. Então traçaram um plano.

Muczynski explicou, “De verdade, estávamos tentando pensar em formas de sair daquela estação e ir para outro lugar qualquer. O que tínhamos determinado era que assim que descêssemos para o que chamamos tanque de combustível completo para combate, pediríamos ajuda na estação, voltaríamos e atingiríamos o transportador de combustível, e depois iríamos para outra estação.

Então, três quartos de hora de patrulha se passaram, e os dois Tomcats estavam quase prontos para colocar seu esquema em ação. Mas foi aí que viram um fantasma. Venlet viu um “blip” no radar. Eles tinham escaneado um espaço aéreo líbio, e alguma coisa foi lançada ao ar a partir dele. Sem demora, Anderson também detectou o alvo em sua tela.

Os líbios não pararam. Vieram direto para os Tomcats. Eles chegaram a 6.000 metros, que era a altura em que os F-14 estavam voando. Logo tinham acelerado para 540 nós, e à medida que Kleemann e Muczynski manobravam, os pilotos líbios acompanhavam seus movimentos. Estava claro para Muczynski que seus inimigos estavam sendo orientados por um controle no solo. Era apavorante!

Não havia meio de os aviões dos EUA irem mais rápido que os líbios na velocidade de cruzeiro que desenvolviam. Então eles acionaram seu pós-combustão ao máximo. Os Tomcats passaram rapidamente a voar a 500 nós. Os dois conjuntos de aeronaves estavam se aproximando cada vez mais, quando algo que os estadunidenses não esperavam, aconteceu.

Muczynski descreveu como foi, dizendo: “Quando o Comandante Kleemann estava 300 metros à frente deles e mais ou menos 250 acima deles, ele girou sua asa esquerda para passar diretamente acima da seção, de forma a obter ID visual sobre eles. Naquele momento, o lado esquerdo do avião líbio que liderava se iluminou numa grande chama quando o motor do míssil foi acionado.

Como Muczynski estava ao lado do avião que tinha lançado o míssil, tinha uma visão melhor do que estava acontecendo. E parecia que ele conseguiria ter uma visão ainda mais próxima, à medida que o projétil desviava em direção a seu próprio avião. O piloto não piscou, no entanto. Como disse a Kinzey, “Ficou também óbvio na hora que nenhum de nós seria atingido pelo míssil, então nenhum de nós se incomodou.”

Mas agora que eles atacaram, os líbios se tornaram eles mesmos os alvos. As regras de combate eram claras: os F-14 estavam imediatamente livres para combate. Muczynski disse, “O Comandante Kleemann inicialmente tinha ido atrás do líder, mas quando me viu me aproximando dele, fez a volta em direção ao piloto atrás do líder, do lado externo.”

Kleemann rapidamente tomou posição atrás do Su-22. Havia, no entanto, um problema. Como era muito cedo, o sol ainda estava baixo. Então, Muczynski explicou, “O piloto atrás do líder [...] por acaso voou na frente do sol enquanto fazia a curva fechada para estibordo. Assim, o Comandante Kleemann apenas esperou uma oportunidade para que o outro saísse da frente do sol.”

Em seguida, Kleemann lancou um AIM-9L SIdewinder no Fitter. Muczynski disse, “o míssil saiu na frente, depois fez uma volta de 90 graus e atingiu a aeronave na cauda... ela começou a rodar, o paraquedas drogue foi acionado e o cara imediatamente ejetado. Ele fez um bom lançamento e começou a descer.” Mas como Muczynski se sairia?

Igualmente bem, como realmente aconteceu. Muczynski rapidamente chegou na parte traseira da aeronave líder da Líbia enquanto subia, e então tinha visão do Su-22. Seu míssil Sidewinder disparou. O piloto recordou, “O Sidewinder foi direto para o escapamento do cara e explodiu tudo, desde a base das asas em direção da parte de trás, numa tremenda bola de fogo.”

Agora o único perigo para Muczynski era que as partes que sobraram do avião líbio que explodira pudessem atingi-lo e derrubá-lo. Então, ele teve de subir na vertical e girar de cabeça para baixo assim que tivesse se livrado das partes que sobraram do avião. O piloto do Fitter destruído se ejetou enquanto seu avião caía em solo.

Então esse foi o primeiro teste na vida real para o Tomcat F-14. E precisa ser dito que ele passou com honra ao mérito. Mas se você está imaginando os imponentes rodopios e as piruetas dos combates do passado, repense. Isso tudo aconteceu num piscar de olhos: foram menos de 45 segundos depois do lançamento do primeiro míssil até a destruição do segundo avião líbio.

Mas a performance deveu-se à habilidade dos pilotos? Muczynski não pensava assim. Ele disse ao autor Bert Kinzey, “uma coisa que eu gostaria de dizer é que sinto que qualquer um em minha esquadrilha poderia fazer o mesmo que eu fiz. O que acontece é que estava no lugar certo, no momento certo e com os resultados certos.”

Nenhum outro avião foi derrubado em 1981, mas os F-14 voltaram à ação em 1989, quando os EUA novamente entraram em conflito com a Líbia. Naquele momento, o John F. Kennedy U.S.S. encabeçou um grupo de porta-aviões que navegou até a costa líbia para outro exercício de liberdade de navegação. Desta vez uma esquadrilha de Tophatters VF-14 e Swordsmen VF-32 abasteceram os Tomcats.

Os dois aviões VF-32, identificados como “Gipsy 207” e “Gipsy 202” sobrevoaram a grande altura a área sudoeste do Golfo de Sidra. Desta vez os pilotos eram os líderes da esquadrilha, Joseph B. Connelly, auxiliado por Leo F. Enwright, e Hermon C. Cook III, com Steven P. Collins operando seu radar. Não sabemos se eles estavam prevendo problemas, mas logo encontraram.

Um avião de vigilância os informou que dois aviões líbios tinham decolado, saindo do campo de aviação em Al Bumbah. E assim que receberam o aviso, a aeronave apareceu em seus radares. Eles estavam a quase 116 quilômetros de distância e se aproximando. Os Tomcats receberam um bloqueio de radar: a forma padrão de alertar os líbios para que se mantivessem distantes.

Com frequência, isso seria o suficiente para finalizar o confronto, mas não foi o que aconteceu nesse dia. Os Tomcats desceram abruptamente, seguindo-os até 2.400 metros. Eles se colocaram entre os caras do mal e a esquadrilha. Agora os dois grupos de aviões começaram a manobrar, os líbios se voltando na direção dos Tomcats e depois se afastando, chegando cada vez mais perto.

Os aviões cortaram o céu como relâmpagos, e os estadunidenses reconheceram que o perigo era altíssimo. Apenas alguns minutos depois de terem decolado, os aviões líbios, MiG-23 desta vez, desciam em chamas. Connelly relatou a seu avião de vigilância que tinham “atingido dois Floggers e havia dois paraquedas abertos no ar.”

Mas, mesmo um avião fantástico como o F-14, acaba ficando no passado. Na época da Guerra do Golfo, seus sistemas não conseguiam mais definir à distância quais aeronaves eram inimigas e quais eram amigas. Não que os iraquianos estivessem dispostos a enfrentá-los. Os tempos mudaram, e nestes dias, outras aeronaves são os aviões glamurosos da Marinha.